domingo, 31 de outubro de 2010

EDUCAÇÃO. PERGUNTAS PARA DILMA E SERRA - Folha de São Paulo

EXCERTO

O(a) sr.(a) vai aumentar o percentual do PIB destinado à educação? Para quanto?

DILMA "Garantir educação de qualidade para todos os brasileiros requer dar continuidade à expansão dos recursos disponíveis. No governo Lula, dobramos o Orçamento do Ministério da educação em termos reais. Darei continuidade a esse processo, tendo como meta alcançar 7% do PIB para a educação em 2014."

SERRA "Sim. Esse aumento do percentual do PIB destinado à educação vai refletir o esforço nacional -e não apenas federal- em relação aos investimentos na área, inclusive os do setor privado e das famílias. Os gastos públicos incluem o que vem da União, dos Estados e municípios. Esses últimos são responsáveis pela maior parte, já que são os mantenedores das redes de escolas públicas de educação infantil e ensino básico", diz o candidato. "Mais do que discutir a questão levando em conta o volume em relação ao PIB, nosso governo definirá políticas que aumentem o esforço nacional em relação aos investimentos educacionais."


É a favor ou contra dar remuneração extra ao professor, de acordo com o desempenho dele?
 
DILMA "A valorização do professor é central para alcançarmos educação de qualidade. Essa valorização requer salários dignos e capacitação continuada. Devemos perseguir a implementação do piso salarial nacional do magistério e sua elevação ao longo do tempo. Prêmio por desempenho não é salário."

SERRA "[A remuneração extra] é uma alternativa importante, calcada no princípio de que, quanto melhor for o desempenho e quanto mais os alunos aprenderem, maior será a remuneração do professor. Isso deve ser feito ao lado da valorização profissional dos professores e da estruturação de planos de carreira."

É a favor de uma lei que obrigue as instituições de ensino superior a adotar cotas para negros? E para alunos de escola pública?
 
DILMA "O Estatuto da Igualdade Racial, que entrou em vigor recentemente, prevê a implementação de políticas afirmativas para que o Brasil continue diminuindo a desigualdade que historicamente nos marcou. As instituições de ensino superior têm autonomia para definir o mecanismo mais adequado para perseguir esse objetivo maior e contribuir para a redução da desigualdade de oportunidades no país."

SERRA "Algumas universidades federais adotam as cotas raciais. Outras, as sociais, que parecem refletir melhor a realidade social e étnica da população brasileira. Essa diversidade de estratégias é rica e promove a inclusão desejada. Na minha opinião, os mecanismos devem ser aperfeiçoados, sempre levando em conta a autonomia de cada uma das universidades e a realidade regional na qual elas estão inseridas", afirma o candidato do PSDB. "O trabalho em educação deve ser orientado para que a escola pública tenha uma boa qualidade e a política de cotas não seja necessária."

terça-feira, 26 de outubro de 2010

MARCA PARA SUPERUNIVERSIDADE - O Estado de Minas

Ministro da educação recebe documento com diretrizes que vão definir fusão de sete federais mineiras e se compromete a negociar alteração na lei para acomodar modelo
Glória Tupinambás
Agora é oficial. Está nas mãos do Ministério da educação (MEC) o documento que permite o surgimento do consórcio das universidades Sul/Sudeste de Minas Gerais, a chamada Superuniversidade do Sudeste. A minuta do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), com as propostas e diretrizes que embasam a fusão das sete instituições federais de ensino mineiras, foi entregue ontem, em Belo Horizonte, ao ministro Fernando Haddad. Em conversa com os reitores, Haddad se comprometeu a negociar com a Casa Civil uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB) para dar respaldo jurídico ao consórcio.

Fazem parte da iniciativa as universidades federais de Alfenas (Unifal), Itajubá (Unifei), Juiz de Fora (UFJF), Lavras (Ufla), Ouro Preto (Ufop), São João del-Rei (UFSJ) e Viçosa (UFV). Segundo o ministro, desde que tenha respaldo dos conselhos universitários, a fusão independe de leis. “Se houver um plano de desenvolvimento comum, não há impedimentos. O MEC pode apoiar técnica e financeiramente esse projeto. Apesar disso, eu me comprometo a negociar com a Casa Civil e com o Ministério do Planejamento uma alteração na LDB para dar guarida à proposta, ou seja, para que ela tenha amparo na lei e saia ainda mais fortalecida do que se houvesse apenas um documento formal dos reitores”, disse Haddad.

As discussões sobre o consórcio começaram em julho e até o mês que vem a proposta deve ser apreciada e votada pelos conselhos universitários de cada instituição. A fusão prevê a integração das universidades nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. Na prática, isso vai significar mais eficiência na captação de recursos, maior mobilidade estudantil e criação de laboratórios e projetos conjuntos entre as universidades. O consórcio, inédito no país, já conta com apoio do MEC, do governo de Minas e da União Estadual dos Estudantes (UEE).

De acordo com o secretário-adjunto de estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Evaldo Vilela, que também representou a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) na reunião com os reitores, o consórcio é um avanço para a produção de conhecimento. “Acredito que vai ficar mais fácil e menos burocrático financiar laboratórios e projetos de pesquisa, pois estaremos lidando com uma única instituição. As universidades vivem num sistema muito competitivo e agora começam a criar um sistema de cooperação que une competências e terá maior projeção dos benefícios”, afirmou Evaldo.

O reitor da UFV e coordenador geral do consórcio, Luiz Cláudio Costa, ainda fez questões de ressaltar que a fusão não vai comprometer a autonomia e a legitimidade de cada uma das universidades. “As sete instituições são extremamente qualificadas, estão geograficamente localizadas num raio de 200 quilômetros e atuam de maneira complementar. Uma das propostas mais significativas é a unificação do vestibular, que deve ser substituído pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Além disso, vamos oferecer bolsas de estudos para que estudantes de uma universidade possam cursar disciplinas em outra instituição e para que professores possam dar aulas fora do câmpus de origem”, explicou Luiz Cláudio.

Carteira de identidade

Principais pontos da nova instituição

PERFIL:
O consórcio é formado pelas universidades federais de Alfenas (Unifal), Itajubá (Unifei), Juiz de Fora (UFJF), Lavras (Ufla), Ouro Preto (Ufop), São João del-Rei (UFSJ) e Viçosa (UFV).

A superuniversidade reúne 239 cursos de graduação, com 48 mil alunos matriculados na modalidade presencial. Na pós-graduação, são 145 programas e mais de 3 mil alunos de mestrado e 1,7 mil de doutorado. As sete universidades ainda somam 4.390 professores e quase 6 mil funcionários técnico-administrativos.

VESTIBULAR:
As sete universidades terão um processo seletivo unificado, provavelmente o Enem.

Será criado um Núcleo de Estudos Pedagógicos para analisar a criação de cursos de acordo com as potencialidades de cada universidade.

MOBILIDADE ACADÊMICA:
Haverá um sistema de matrícula cruzada para permitir que alunos façam disciplinas em várias universidades.
Será formado um banco de assessores e consultores para troca de experiências e contribuição na capacitação de pessoal.

Será criado o Centro de Estudos Avançados, para pensar estratégias conjuntas nas áreas de ciência, ensino e cultura.

ASSISTÊNCIA:
Será implantado o Programa de Mobilidade Consorciada, para beneficiar 10 mil estudantes por semestre. Bolsas de estudos e um banco de vagas ociosas vão facilitar a transferência dos alunos.

Professores também terão incentivos para dar aulas em outras instituições em períodos regulares.

Servidores poderão participar de cursos e treinamentos conjuntos..

PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÂO:
Haverá programas de pós-graduação compartilhados em áreas estratégicas e mecanismos de cooperação entre os cursos.

Devem ser criados centros de pesquisa para compartilhar infraestrutura de laboratórios.

MEC QUER MUDAR LEI PARA PERMITIR CONSÓRCIO - O Estado de S. Paulo

Decisão é estimulada por projeto de megauniversidade em Minas, que deve agrupar 7 instituições federais e possibilitar intercâmbio de alunos
 
Marcelo Portela BELO HORIZONTE

O Ministério da educação (MEC) estuda propor uma alteração da Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB) para permitir a formação de consórcios entre universidades brasileiras. A ideia surgiu do projeto de unificação de atividades acadêmicas de sete instituições federais que funcionam no sul e no sudeste de Minas Gerais.

A minuta do projeto de criação da megauniversidade foi entregue ontem pelos reitores ao ministro Fernando Haddad, em cerimônia em Belo Horizonte. Segundo ele, o MEC pode aprovar a criação da megauniversidade - que englobará universidades federais em Alfenas (Unifal), Itajubá (Unifei), Juiz de Fora (UFJF), Lavras (Ufla), Ouro Preto (Ufop), São João Del Rei (UFSJ) e Viçosa (UFV) - mesmo sem alteração da lei. Mas ressaltou que, com a aprovação de um modelo definitivo de unificação de atividades pelos conselhos superiores das instituições, a pasta tentará incluir o modelo na legislação. "Comprometo-me a viabilizar, com a Casa Civil, o envio do projeto para o Congresso." 

Pela proposta, as universidades mantêm autonomia administrativa e orçamentária, mas unificam atividades de ensino, pesquisa e extensão. O projeto prevê a criação de um Plano de Desenvolvimento Integrado conjunto e abre, por exemplo, a possibilidade de estudantes de uma instituição cursarem disciplinas em outras, até com uma bolsa adicional para cobrir os gastos com a mobilidade. Seriam 10 mil bolsas do tipo por semestre.
O projeto também prevê a unificação do vestibular para 2012, além da criação de laboratórios e núcleos de estudo comuns, com prioridade para áreas de nanotecnologia, bioenergia, biodiversidade, meio ambiente, educação, fitoterápicos e sustentabilidade. Os laboratórios, segundo o reitor da UFJF, Henrique Duque, ficariam fora do espaço das instituições. "Deve ser em Belo Horizonte mesmo, para evitar qualquer tipo de disputa." 

Dimensão. Com a unificação, a megauniversidade oferecerá 239 cursos de graduação e 145 de pós-graduação presenciais. Serão 4,3 mil docentes e 91 mil alunos em cursos presenciais e a distância em 72 municípios. Anualmente, serão 13 mil novas vagas. As universidades manterão os conselhos superiores e será criado um de reitores, com rodízio anual entre as instituições. 

"Vamos seguramente apoiar essa iniciativa", afirmou Haddad. "Não é só a soma dos programas de graduação e pós-graduação. É uma nova forma de encarar a expansão da universidade pública no País. Interessa ao corpo discente pela mobilidade e potencial acadêmico, à pesquisa nacional e, sobretudo, para internacionalizar a educação."

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

TALVEZ SEJAMOS O PAÍS ONDE MAIS SE FALA EM EDUCAÇÃO E ONDE OS RESULTADOS SÃO OS MAIS DESALENTADORES - Folha de S. Paulo

Vladimir Safatle

JÁ HÁ ALGUM tempo, nas campanhas eleitorais brasileiras, candidatos a qualquer cargo majoritário afirmam ter sempre a mesma prioridade: educação. Talvez sejamos o país onde mais se fala em educação e onde, salvo raras exceções, os resultados são os mais desalentadores.

A situação tem várias razões, mas a principal delas é: quando discutimos educação, fazemos de tudo para não ouvir aqueles que mais teriam a dizer sobre o assunto, a saber, os próprios professores.

Se ouvíssemos os professores, descobriríamos que um dos maiores problemas de nosso sistema de ensino é o profundo desinteresse que o magistério desperta em nossos melhores alunos, isso principalmente nas carreiras de ensino fundamental e médio. Não é difícil descobrir a razão: os salários são patéticos e as condições de trabalho péssimas.

A situação do Estado de São Paulo é exemplar, nesse sentido. O Estado mais rico da Federação tem salários inferiores àqueles oferecidos no Acre, no Tocantins, em Rondônia, no Rio de Janeiro, em Mato Grosso, no Espírito Santo, entre outros.

Mesmo em suas universidades, os salários são menores que aqueles oferecidos nas federais. É difícil encontrar uma justificativa para tanto.

Se ouvíssemos os professores, saberíamos também que boa parte das inovações no ensino, como o sistema de progressão continuada, a ausência de um currículo mínimo obrigatório e as ditas experiências "interdisciplinares", simplesmente não funcionaram.

A razão é simples: são experiências feitas com pouca discussão com aqueles que devem implementá-las.
Tudo se passa como se a experiência prática do corpo docente fosse um mero entrave para a mudança e a inovação, como se o saber prático dos professores fosse apenas um foco de resistência à grande revolução educacional que gênios de gabinete e consultores pagos a preço de ouro nos prometem.

Isso quando reticências de docentes não são sumamente desqualificadas por eles pretensamente serem mera massa de manobra sindical.

Assim, se há pessoas que gostariam de direcionar seu voto realmente colocando a educação como prioridade, deveriam fazer algumas perguntas: qual candidato ao menos falou palavras como: "valorização dos professores" e "fortalecimento da universidade pública"?

Como os professores avaliam as práticas dos dois candidatos ? Pois, mais do que propostas, há práticas distintas em jogo. Todos os dois têm oito anos de políticas educacionais para colocar na balança.

Por exemplo, um deles teve, como seu secretário em São Paulo, alguém que, quando ministro da Educação, iniciou o processo de expansão universitária através da proliferação viral de instituições privadas de qualidade duvidosa.

Lembraria que, em sua época, houve um processo de sucateamento que levou algumas universidades federais, como a UFRJ, a não ter dinheiro nem sequer para pagar conta de luz. Essas são questões que merecem estar na pauta do debate.

Cinco mil professores universitários procuraram deixar claro este ponto em um "Manifesto em defesa da educação pública" que circula nas universidades e internet (www.emdefesadaeducacaopu blica.wordpress.com). Quem realmente se preocupa com educação, deve começar por lê-lo. 

VLADIMIR SAFATLE é professor do departamento de filosofia da USP.

O PANORAMA DA EDUCAÇÃO - O Estado de S. Paulo

O mais recente levantamento comparativo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em matéria de educação - o relatório Education at a glance 2010 - revela que, apesar de ter ampliado os gastos com o ensino fundamental na primeira década de 2000, o Brasil ainda investe só 1/5 do que os países desenvolvidos destinam ao setor. 

O levantamento cobre todos os ciclos de ensino e leva em conta a educação pública e privada. Segundo ele, enquanto países como Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Áustria, Dinamarca, Noruega, Itália, Islândia, Estados Unidos e Japão investem, em média, US$ 94.589 por estudante durante todo o ciclo do ensino fundamental, no Brasil o gasto médio é de US$ 19.516 por aluno. O resultado é que, em matéria de formação e preparo, os estudantes brasileiros continuam muito longe dos estudantes dos países desenvolvidos.

A pesquisa da OCDE comparou os investimentos no ensino fundamental realizados por 39 países e avaliou os resultados por eles obtidos. Entre outros fatores, ela levou em consideração os salários dos professores, materiais pedagógicos, instalações físicas, acesso à escola, número de estudantes matriculados e o papel dos pais na supervisão e aconselhamento das escolas públicas.

O estudo também comparou os benefícios sociais e econômicos resultantes da educação de qualidade, em termos de aprendizagem dos estudantes, condições de empregabilidade e níveis salariais.

Segundo a pesquisa, os níveis de despesa com educação variam consideravelmente entre os 39 países analisados, tanto em termos absolutos como relativos. Países como Dinamarca, Israel, Islândia e Estados Unidos, por exemplo, gastam em todos os níveis de ensino o equivalente a cerca de 6,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Países como a Rússia e a República Eslovaca gastam 4,5%. Destinando ao setor educacional 5,2% do PIB, o Brasil se encontra numa posição intermediária.

O estudo também mostra que, entre os países mais ricos, 90% do investimento em ensino fundamental e médio vem do poder público. Quanto ao ensino superior, em países como a Finlândia, Noruega e Coreia do Sul, 75% dos investimentos são privados. A prioridade do gasto público é dada, assim, à formação básica.
A pesquisa revela ainda que, em pelo menos 8 dos 39 países pesquisados, as instituições públicas cobram dos pais uma contrapartida média de US$ 1,5 mil por ano. Como se vê, nesses países, o ensino público não é inteiramente gratuito.

Entre os países mais desenvolvidos, o ensino de redação, literatura, matemática e ciências representa quase 50% do tempo de instrução obrigatória, para os alunos com idade entre 9 e 11 anos, e 40%, para os estudantes na faixa etária entre 12 e 14 anos. Nos demais países, o tempo gasto com essas atividades básicas varia de 16% a 30%.

Evidentemente, isso faz diferença no aproveitamento e no preparo dos estudantes. Esse também é um dos fatores que os levam, quando adultos, a continuar estudando durante toda sua vida profissional. Por isso, mostra a pesquisa, quanto melhor é a qualidade da formação básica dos alunos, mais valor darão ao ensino superior e aos cursos de pós-graduação, o que os torna menos vulneráveis ao desemprego causado pelas crises econômicas. Entre 1997 e 2007, segundo o estudo, a taxa média de desemprego anual de quem tem nível superior ficou em torno de 4%, em média. Entre os que somente concluíram o ensino básico, a taxa média de desemprego ficou acima de 10%, nos 39 países pesquisados.

O estudo da OCDE mostrou ainda que os países desenvolvidos têm 20 alunos por turma no ensino fundamental. No Brasil, embora o tamanho das turmas tenha diminuído em relação a 2000, o número é de 30 estudantes, nas turmas de 5.ª a 9.ª série do ensino fundamental. É um número alto, o que dificulta o trabalho dos professores.

A pesquisa da OCDE registra avanços na educação brasileira, como a universalização do ensino fundamental. Mas, comparativamente, a formação dos nossos estudantes, de modo geral, continua muito longe de um padrão aceitável.

domingo, 24 de outubro de 2010

Na educação, o abismo entre dois mundos
Na Coreia do Sul, 97% dos estudantes concluem o ensino médio. O investimento em educação ajudou a transformar o país de economia agrária num dos maiores PIBs da Ásia. No Brasil, 15% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola. Dos que começam o ensino médio, 35,5% desistem.

A "febre educacional" que salvou a Coreia do Sul
País se tornou um dos maiores PIBs da Ásia; 97% dos estudantes concluem ensino médio
Claudia Sarmento Correspondente
TÓQUIO. Até a década de 60, recém-saída de uma guerra que levou a uma divisão trágica de seu território, a Coreia do Sul era uma economia agrária, pobre. Nos últimos 40 anos, o país deslanchou e se tornou um dos maiores PIBs da Ásia, transformando-se numa potência hi-tech cujos produtos competem de igual para igual com os japoneses, por exemplo. O foco na educação é apontado como um dos pontos fundamentais do rápido desenvolvimento coreano.
Hoje o ensino no país é olhado como um modelo para o mundo. Até o presidente Barack Obama, num discurso que ficou famoso, pediu que os EUA sigam o exemplo das crianças sul-coreanas, que passam, em média, pelo menos um mês a mais nas escolas anualmente do que os alunos americanos.
Há uma série de fatores envolvidos no crescimento de um país, mas os analistas concordam que os investimentos em educação e na formação de capital humano foram os principais combustíveis da arrancada de Seul. O desenvolvimento educacional sulcoreano, a partir dos anos 60, precedeu e guiou o econômico.
A expansão do ensino ocorreu de um modo sem precedentes.
Em 1945, com o fim da colonização japonesa, apenas 22% da população eram alfabetizadas. Esse índice hoje é superior a 98%. A excelência das escolas sul-coreanas é atestada por vários estudos mundiais, e a sociedade abraçou a ideia de educar para crescer. Para os pais coreanos, a educação dos filhos é prioridade absoluta e levou à criação de uma expressão entre os analistas que se debruçam sobre a receita coreana: febre educacional.
Na universidade, 60% dos jovens
Os alunos sul-coreanos estão entre os melhores do mundo em matemática, ciência e leitura, de acordo com os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 97% dos estudantes completam o ensino médio — o mais alto percentual entre todos os países pesquisados.
E o índice de pessoas com nível universitário, entre 25 e 34 anos, também é impressionante: 60%.
— O sistema educacional na Coreia do Sul foi desenvolvido de forma sequencial — explica o professor de História Michael Seth, da Universidade James Madison, em Virginia, autor do livro “Febre educacional: sociedade, política e o exercício da escolaridade na Coreia do Sul”.
— O foco inicial foi o ensino fundamental, e só depois que ele se tornou universal o Estado passou a investir na educação secundária. É um modelo que concentra sua força no nível básico. A parte mais fraca do sistema é o nível superior, mas isso é compensado pelo fato de os coreanos investirem em educação, buscando as melhores universidades internacionais, e pelos programas de treinamento financiados pela iniciativa privada — afirma ele.
O especialista americano destaca outros pontos que fazem até o presidente do país mais rico do mundo invejar a educação coreana. É um sistema homogêneo e uniforme, no qual as escolas seguem o mesmo currículo e recebem o mesmo montante de verbas públicas. Desde antes da guerra (1951-1953) e bem antes de a Coreia do Sul ser uma democracia, já existia um esquema de rodízio entre os professores, para evitar que os melhores se concentrassem em alguns poucos estabelecimentos.
Além disso, foi criado um programa de assistência especial para áreas rurais, evitando grandes diferenças em relação à região metropolitana. O outro fator essencial é o investimento no treinamento dos professores — o que diferencia muito a Coreia do Sul do Brasil, por exemplo.
Estudo divulgado em setembro pela consultoria McKinsey & Company confirma a posição da Coreia do Sul, ao lado de Cingapura e Finlândia, no topo da educação mundial e ressalta a seleção dos professores como uma de suas estratégias centrais: 100% dos profissionais são recrutados entre os melhores alunos do ensino médio.
Para ensinar as crianças menores no ensino fundamental, só são aceitos na universidade de Educação (são quatro anos de curso) os 5% com melhor desempenho no ensino médio.
O treinamento é rigoroso, mas há compensações que tornam a profissão de professor atraente: bons salários, possibilidade de crescimento profissional e prestígio. O respeito ao professor é uma questão cultural: “Nem sequer pise na sombra de um professor”, diz um provérbio coreano.
“As classes relativamente grandes na Coreia do Sul, com 35 alunos por turma, ajudam a pagar os professores acima dos níveis de outros países.
Professores iniciantes recebem cerca de 1,2 vez o PIB per capita e os salários máximos chegam a 3,4 vezes a renda per capita. Nos EUA, isso se traduziria em rendas anuais de US$ 55 mil a US$ 150 mil”, diz o relatório da Mckinsey. Os salários dos professores primários são os mais altos do mundo, colocando-os no mesmo patamar de médicos e engenheiros.
Só 1% dos estudantes de educação desiste do curso a cada ano.
Mas o fenômeno coreano não é só uma questão de política pública. Conquistas acadêmicas são perseguidas com fervor e envolvem sacrifícios dos alunos e dos pais. Os anos equivalentes ao ensino fundamental no Brasil são gratuitos, mas as escolas de nível médio são custeadas através de impostos.
E é muito comum, mesmo entre as famílias mais humildes, o investimento em professores particulares, que ajudam as crianças depois do horário escolar e até nos fins de semana. Em seu livro, Seth descreve a mobilização nacional em dia de vestibular: “Um ar de grande tensão paira em toda a Coreia do Sul (…). Uma força-tarefa especial passou meses se planejando para esse dia. Milhares de policiais estão em alerta em várias cidades (…). Voos em todos os aeroportos do país foram limitados, e um esforço especial foi feito para interromper obras, reduzindo ruídos de qualquer espécie”.
Segundo dados de 2007 do Ministério da Educação, 350 mil estudantes sul-coreanos deixaram o país para estudar no exterior, a maioria deles em idade universitária, mas também há grupos de crianças que ainda não estão nem alfabetizadas.
Nos Estados Unidos, os sul-coreanos formam o maior percentual de estudantes estrangeiros, à frente dos chineses, embora sua população seja muito menor. No Japão, quando buscam recémformados ou estagiários, as grandes empresas sempre se deparam com uma grande quantidade de sul-coreanos, que terminaram seus estudos em conceituadas universidades japonesas.
Os números indicam que o país se preocupa tanto com educação que já atravessou uma fronteira e discute agora se não estaria havendo exageros.
— O termo “febre educacional” tem uma conotação positiva e outra negativa. É admirável o respeito dos sul-coreanos pela educação, mas a preocupação em obter diplomas de estabelecimentos de prestígio é hoje obsessiva.
A educação privada sai cara para as famílias e ainda há a pressão depositada em pessoas muito jovens, que muitas vezes deixam de viver sua infância em troca da obrigação de atingir um excelente desempenho acadêmico — pondera o analista americano.